Autoridades brasileiras ainda lutam com regras sobre CBD medicinal

As autoridades médicas no Brasil suspenderam uma resolução que limitaria o CBD a medicamentos disponíveis mediante receita médica apenas para aqueles que sofrem determinadas doenças.

O Plenário do Conselho Federal de Medicina suspendeu temporariamente a resolução restritiva e agendou audiências públicas de forma a explorar o enquadramento mais adequado para o CBD no contexto alimentar e médico brasileiro.

Este desenvolvimento ocorre numa fase em que o Brasil continua a construir uma estrutura legal e regulatória para a indústria do cânhamo, um processo que começou em 2015 com um projeto de lei que foi posteriormente substituído por uma proposta atualizada em 2020. À medida que o quadro regulatório continua a ser estabelecido, o cultivo de cânhamo no Brasil não é autorizado, embora os produtores possam importar matérias-primas para fazer formulações de CBD.

Autorização limitada

A regra proposta, agora suspensa, tornaria o CBD disponível apenas por prescrição para pacientes que sofrem do síndrome de Dravet e do síndrome de Lennox-Gastaut, duas formas debilitantes de epilepsia em crianças. O CBD não poderia ser prescrito para outros casos, mesmo para pacientes com outras doenças que já usaram o composto.

Lorenzo Rolim da Silva, presidente da Associação Latino-Americana de Cânhamo Industrial (LAIHA), disse que a restrição original do CBD a medicamentos foi uma manobra política do presidente Jair Bolsonaro para apelar aos conservadores antidrogas no meio das eleições presidenciais. Bolsonaro perdeu as eleições para Luiz Inácio Lula da Silva no mês passado.

“Mas a população teve uma resposta muito forte, inclusive a classe médica, então os reguladores foram obrigados a suspender a regra proposta e abrir uma consulta pública sobre os usos dos medicamentos de CBD”, disse Lorenzo.

As regras atuais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) já permitem a importação e comercialização de medicamentos derivados da canábis registrados como farmacêuticos, e aqueles com “autorização sanitária” que não requerem ensaios clínicos, num regulamento que entrou em vigor em março de 2020. Esta regra também prevê a autorização de “uso compassivo” que permite que os pacientes importem produtos de canábis individualmente. O regulamento autoriza empresas no Brasil a produzir os seus próprios produtos, desde que o material CBD seja importado.

Mercado de CBD

O CBD tem sido amplamente utilizado no Brasil e até mesmo fisioterapeutas e dentistas o prescrevem ou recomendam.

A ANVISA estimou que mais de 100.000 brasileiros fazem algum tipo de tratamento com CBD – muitos obtêm os seus produtos no mercado negro – e que 66.000 prescrições de medicamentos à base de canábis, incluindo CBD, foram encomendadas no país no ano passado. O Brasil tem vários milhões de pessoas com epilepsia e pacientes com outras doenças, como autismo e dor crónica, que poderiam beneficiar do CBD. Ao abrigo dos subsídios de remédios do Brasil, o governo oferece um apoio generoso aos pacientes.

O Brasil é o maior país da América do Sul e o quarto maior mercado farmacêutico do mundo. A GW Pharmaceuticals do Reino Unido já vende o seu medicamento para a epilepsia Sativex à base de CBD em farmácias brasileiras, e grandes empresas farmacêuticas demonstraram interesse no potencial do Brasil quanto ao CBD. Com um mercado de 214 milhões de consumidores, custos gerais de produção mais baixos, um forte histórico de produção de alimentos e um clima favorável ao cânhamo, o Brasil pode-se tornar um grande concorrente internacional nos setores à base de cânhamo.

Os defensores disseram que o cultivo legal e a produção de CBD e outros extratos no mercado interno podem reduzir os preços para o consumidor, já que os custos de exportação dos EUA e as taxas de câmbio flutuantes contribuem para os preços altos domésticos.

Enquanto isso, os médicos no Brasil estão a unir forças e a lucrar com as prescrições de CBD, enquanto fazem lobby contra os produtos OTC, de acordo com Lorenzo.

“Temos pressionado por produtos OTC CBD e por alimentos de cânhamo no Brasil, mas infelizmente nenhum foi aprovado até agora”, disse Lorenzo.

Os comentários à consulta pública sobre CBD estão a ser aceites pelo Conselho de Medicina até ao dia 23 de dezembro de 2022.

Potencial do Brasil

A proposta de lei brasileira mais ampla sobre o cânhamo autoriza o cultivo, processamento e comercialização de produtos de saúde e beleza à base de cânhamo, celulose, fibras e produtos veterinários não medicinais, desde que não contenham mais de 0,3% de THC por volume de produto. Apenas as sementes seriam permitidas nos alimentos.

Os brasileiros cultivaram legalmente cânhamo em várias regiões, assim como o governo, desde o início da colonização do país até ao início do século XX, principalmente na colheita de fibras para uso têxteis. A indústria de cânhamo do Brasil liderou todos os setores agrícolas no final do século XIX. Documentos históricos também mostram que até ao ano de 1932 extratos e outros remédios derivados do cânhamo eram considerados legítimos e recomendados por médicos brasileiros para diversas doenças.