Charlatães, falta de liderança e burocracia feriram gravemente o cânhamo norte-americano

[Segunda de três partes]

No que respeita ao golpe sofrido pela indústria de cânhamo dos EUA, ao longo dos últimos três anos, a maioria dos prejuízos foi autoinfligida.

Enquanto um leque de charlatães lançava esquemas de enriquecimento rápido, autointitulando-se “líderes” e “especialistas” em CBD, o verdadeiro potencial do cânhamo – na alimentação, construção, biocompósitos e outros setores importantes – perdeu-se na bruma. E pior: essa corrida ao CBD feriu a reputação do cânhamo e a indústria recuou anos na sua evolução.

No período que antecedeu a aprovação da Farm Bill de 2018, e nos meses que se seguiram, os produtos de CBD proliferaram como nunca antes, aparecendo um pouco por todo o lado – em dispensários de marijuana até às bombas de gasolina locais. As estimativas para o final de 2019 mostraram que 13 milhões de consumidores contribuíram para um mercado avaliado em $4.5 mil milhões, praticamente do dia para a noite. As vendas da CBD cresceram entre 25-40% no ano seguinte.

Mas até esse forte desempenho ficou abaixo das expetativas – o primeiro rato a abandonar o navio -, num produto antecipado como “revolucionário”.

Que cheiro é este?

As previsões dos “analistas” eram floreados cor-de-rosa, à medida que as histórias de fortunas feitas à conta do CDB não paravam de emergir. No seu relatório sobre CBD de 2018, a empresa de dados Brightfield Group celebremente previu que o mercado nos Estados Unidos cresceria até aos $22 mil milhões em 2022. Aqueles que gozaram com tamanha patacoada parecem estar agora certos, pois a ideia de que os produtos chegariam às grandes superfícies acabou por ser nada mais do que miragem.

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 FONTES: Brightfield Group; Statista

Num relatório publicado a semana passada, os números mais recentes da Brightfield indicam que as vendas de CDB deste ano permanecem estáveis em comparação com 2021, em torno dos $5 mil milhões.

Contribuindo para o hype, os investidores em ações negociadas no mercado de balcão (OTC) – faceta particularmente abominável da empresa pública – lançaram comunicados de imprensa, exaltando a grande novidade no mundo da canábis para convencer os investidores mais incautos.

Quando a porca torceu o rabo em 2019, as primeiras vítimas foram as mais importantes para o estabelecimento da indústria de cânhamo nos EUA: os agricultores, que não só se deixaram levar pelo engodo de intermediários desonestos – Cultive CBD e Ganhe $50,000 por Acre! Sementes? São de borla! -, mas também acreditaram em conceitos errados sobre o cânhamo enquanto cultura: é fácil de cultivar, em qualquer lugar!

Duras lições

Alguns agricultores extraíram duras lições de tudo isto. Perderam colheitas devido a pragas e mau tempo. Além disso, plantas que excederam os limites de THC tiveram de ser destruídas. Os custos da colheita e os investimentos em equipamento e tecnologia foram elevados. Alguns agricultores aperceberam-se tardiamente de que faltavam instalações de secagem, implicando muitas vezes investimentos imprevistos.

Mas a lição mais brutal foi a da oferta e procura. Os agricultores que conseguiram produzir colheitas – e foram demasiados – fizeram-no enquanto o número de utilizadores cresceu apenas 13% para 14.8 milhões em 2020.

Antes da COVID-19, estima-se que havia no mercado cerca de 5.000 empresas de CDB. Aproximadamente 90% delas tombou entre 2019 e 2021.

Consolidação

Com os principais produtores a colocar o pé no acelerador, brotaram parcerias, fusões e aquisições com fabricantes de CDB e empresas conceituadas na área da marijuana. A Aurora comprou a Reliva, a Canopy Growth e a Martha Stewart fundiram-se, a Molson Coors juntou-se à Hexo para formar a Truss CBD. E houve outros negócios notáveis.

Entretanto, os agricultores foram abandonados com a sua biomassa nos celeiros, perdendo valor dia após dia, pressionados pelos seus avultados investimentos.

Para abalar ainda mais a indústria, foi evidente uma falha de liderança na gestão das empresas de cânhamo (principalmente no CBD, uma vez mais). A estratégica assentou na crença ingénua de que o “cânhamo salvará o mundo”, mas com parca perspicácia empresarial. Outros tiveram também pouco escrúpulos, explorando celebridades em troca de falsos patrocínios, e espalhando propaganda sobre “curas milagrosas” para os seus produtos, cuja qualidade foi muitas vezes dúbia.

É preciso conhecer os burocratas

Todo este “wild west” acabou por chamar a atenção dos reguladores, mas não da forma como muitos esperavam. Em vez de promover a indústria do CDB com regulamentos, a U.S. Food and Drug Administration (FDA) começou a sofrear as afirmações publicitárias e avisou os produtores.

Na tentativa de encontrar um bicho-papão no setor do CDB, a FDA é um alvo conveniente. E, verdade seja dita, a FDA pouco fez para fundamentar a investigação necessária e aumentar a confiança no CDB. Mas, se as partes interessadas acreditavam que a FDA se juntaria a eles no seu entusiasmo pelo próximo produto milagroso, então não conheciam a agência. É que a aprovação de novos alimentos e medicamentos acontece ao ritmo de um caracol.

No meio desta confusão, os autointitulados “líderes” da indústria do cânhamo medraram como cogumelos e em 2020 remodelaram o legado da organização dos stakeholders, a Hemp Industries Association. Criaram mal-estar, ainda antes de se envolverem em processos judiciais fúteis, que ridicularizam toda a indústria, nas palavras de um juiz. Alguns estados desistiram dos programas locais de cânhamo, deixando os agricultores à deriva, sob alçada do governo federal.

A loucura do CBD iluminou momentaneamente o cânhamo. Mas essa breve imagem foi repulsiva. No final, causou danos reais e duradouros. Aqueles que veem a planta pelo seu potencial terão agora de juntar os cacos.