Economista americano identifica ‘um enorme potencial da fibra para a economia global’

ENTREVISTA: Economista e especialista na cadeia de fornecimento e operações, Beau Whitney é o fundador da Whitney Economics, empresa de consultoria em canábis com sede em Portland, Oregon. É economista-chefe no Conselho Nacional do Cânhamo Industrial e economista sénior na Associação Nacional da Indústria de Canábis da América. Whitney integra o Conselho de Assessores Económicos do Governador do Oregon, é presidente da seção da Associação Nacional de Economia Empresarial do Oregon, e é membro da Associação Económica Americana, além de pertencer a vários comités consultivos reguladores de canábis nos EUA. Tem apresentado recomendações políticas a nível estatal e nacional nos Estados Unido e internacionalmente.

HempToday: Temos visto estimativas de que quase 90% das empresas de CBD caíram no esquecimento devido ao crash. Que lições tiramos desse afundamento?

Beau Whitney: O aparecimento de novos operadores no mercado, juntamente com uma lenta implementação federal dos regulamentos, gerou tanta incerteza que os principais fabricantes de produtos ficaram à margem. Como resultado, os agricultores não conseguiram colocar produtos no mercado, os inventários aumentaram e os preços caíram. Lições-chave a reter: 1) o fabrico de produtos tem um papel crítico na indústria, 2) a indústria precisa de maior clareza a nível federal, 3) os operadores têm de compreender toda a cadeia de valor e criar relações ao longo desta.

HT: O que dizer a um investidor que já tenha falhado no mundo do CBD?

BW: Os investidores precisam de fazer a due diligence adequada, tal como noutras indústrias. Há muitos dados disponíveis, basta saber onde procurá-los. O que dizer aos investidores malsucedidos? Estamos a começar a ver dinheiro inteligente a entrar no mercado. Aqueles que avaliam e aproveitaram o seu papel enquanto impulsionadores secundários. Lucrar continua a ser possível. Mas não tão depressa como muitos pretendem.

HT: Agora começamos a ver também algumas dificuldades na fibra. Quais são as chaves para reconquistar a confiança dos agricultores e mantê-la no futuro?

BW: Há para mim uma diferença significativa entre CBD e fibra. O CBD é visto por muitos como uma droga, já a fibra é um material industrial. A fibra está a ser bloqueada por infraestruturas, não por obscurantismo regulamentar. É bastante diferente. A fibra tem enorme potencial na economia global. Neste aspeto, os Estados Unidos estão atrasados. As ordens de compra ajudarão a recuperar a confiança dos agricultores e a colaboração ao longo de toda a cadeia de valor.

HT: Afirmou que os investidores estão a focar a sua atenção na fibra e cereais. Não restam dúvidas que a fibra tem despertado mais interesse, mas o mesmo não pode ser dito em relação ao cereal, embora este tenha maior potencial mais cedo. Por que motivo não há um interesse enfático na cultura de cereais de cânhamo nos EUA?

BW: É uma pena que os cereais estejam a ser bloqueados pelos processos regulamentares federais e pela burocracia. Tem potencial para ajudar a resolver a escassez global de ração animal, evitar que os agricultores americanos tenham de abater os seus rebanhos, e poderá ser uma enorme oportunidade de exportação para esses mesmos produtores. Os dados foram submetidos à FDA. Dada a crise da alimentação animal, basta que lhe seja dado prioridade.

HT: Qual é o atual cenário tecnológico em relação à cadeia de fornecimento de cânhamo? Quais os desenvolvimentos mais empolgantes?

BW: Há novas tecnologias a serem frequentemente implementadas na indústria da canábis. A chave é ter tudo isto no mesmo continente em vez de disperso globalmente. Lembro-me à cabeça das aplicações associadas à conversão para a economia verde, especialmente no âmbito dos veículos elétricos e baterias, e nas alternativas aos plásticos.

HT: Leve-nos numa rápida volta ao mundo. Onde vê o maior potencial para o cânhamo fora dos EUA?

BW: Do ponto de vista ambiental, social, de inclusão e económico, vejo maior potencial para o cânhamo em África na Ásia. Com a alimentação animal e humana no lado dos cereais, as fibras na construção e indústria, juntamente com a durabilidade da planta em áreas afetadas pelas mudanças climáticas, existem oportunidades significativas nesses mercados convergentes.

HT: O que implicará a próxima normalização e regulamentação no Reino Unido para o mercado global de canabinóides baseados no cânhamo?

BW: O mercado britânico levará algum tempo a estabelecer-se. A minha recomendação principal é contratar um bom advogado que possa ajudar a ultrapassar esta situação antes de investir demasiados recursos no mercado. Há nuances que precisam de ser melhor compreendidas.

HT: Ainda estamos muito longe da mercantilização da produção industrial de cânhamo em bruto. Como encara a evolução deste aspeto?

BW: Não vejo a mercantilização assim tão distante. Vai certamente acontecer nesta década. Vejo uma bifurcação no mercado; aqueles que são grandes produtores agrícolas e aqueles pequenos agricultores associados a cooperativas e centros de excelência de cânhamo. Há espaço para ambos nesta altura.

HT: Pode dizer-nos alguns dos principais resultados do Inquérito às Condições Empresariais do Cânhamo de primeiro trimestre de 2022 da Whitney Economics? Houve algo que o tenha surpreendido?

BW: Eu não definiria as conclusões do inquérito como sombrias, mas sim realistas quanto à indústria. Isto não é incomum em novos mercados. Na verdade, vejo muito otimismo nos resultados, incluindo a resiliência daqueles que se mantiveram firmes na sua perspetiva. O mais surpreendente foi a distribuição bimodal dos dados, mostrando ora um sentimento muito positivo, ora um muito negativo. Também mostrou como os operadores são inovadores, e que há muita ciência a emergir neste espaço. Felizmente, conseguimos dados suficientes para ter 95% de confiança nos nossos resultados e conclusões.

HT: Como caracterizaria o desenvolvimento em curso das leis e regulamentos do cânhamo nos EUA? Em que ponto nos encontramos nesse processo?

BW: De momento, acho que o governo federal tem dificuldades para regulamentar uma planta com tantas utilizações. Os legisladores federais estão a tentar controlar a indústria em vez de a nutrir. As lacunas regulamentares federais estão a forçar os estados a intervir, o que cria externalidades negativas. Em última instância, considero que a regulamentação da planta termina à porta da propriedade agrícola e que a regulamentação dos produtos se baseia mais na intenção destes do que na origem da matéria-prima.