Em Portugal, os produtores de cânhamo sentem-se frustrados perante regras questionáveis

Humberto Nogueira, vice-presidente da ACCIP, Associação Comercial de Cânhamo Industrial de PortugalHumberto Nogueira, vice-presidente da ACCIP, Associação de Comerciantes do Cânhamo Industrial de Portugal

Os stakeholders portugueses dedicados ao cânhamo afirmam que uma nova lei sobre a canábis medicinal e o cânhamo imputa encargos excessivos sobre a indústria, pedindo por isso alterações fundamentais ao quadro legal.

Apesar de o governo ter recentemente eliminado a obrigatoriedade de empregar um gestor técnico por parte dos produtores de cânhamo, continuam a existir questões acerca da distribuição de sementes certificadas da UE e custos associados, uma regra segundo a qual os produtores devem comunicar à Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) dados pormenorizadores sobre as suas operações de cânhamo, havendo também questões sobre as partes da planta que podem ser utilizadas.

A lei, que abrange o licenciamento sobre o cultivo, fabrico, comércio grossista, transporte, distribuição, importação e exportação de substâncias à base de canábis para fins médicos e industriais, foi publicada no Diário Oficial do Governo em meados de abril.

Agricultores ignorados

Os representantes da indústria afirmaram que o governo não teve em conta as preocupações dos stakeholders do cânhamo, apesar dos seus enormes esforços para ajudar a definir regras para a indústria dentro da razoabilidade. “Isto demonstra uma enorme falta de respeito” pelos agricultores, disse João Costa, vice-presidente da CannaCasa, a associação portuguesa do cânhamo, em conversa com o website do jornal Sábado. Costa acusou o governo de “não aplicar deliberadamente” a legislação da UE.

A exigência agora retirada, que imporia aos operadores de cânhamo a contratação de gestores técnicos, deriva das regras para a canábis médica, também ela abrangida pela lei recentemente promulgada. Apesar de o governo se ter apercebido do erro e retificado a situação, os stakeholders dizem que o caminho regulamentar para os agricultores e produtores ainda é difuso, dada a confusão associada às regras da canábis medicinal.

“Há uma grande lacuna na perspetiva das entidades sobre o cultivo do cânhamo, tendo em conta a confusão jurídica levantada pela aprovação da canábis para fins medicinais”, disse Costa.

As sementes são importantes

Uma preocupação decisiva prende-se com a forma como as regras do cânhamo no país tratam as sementes certificadas. Os produtores afirmam que o governo tem expetativas irrealistas em relação aos sistemas de certificação de sementes nos países da UE, pois nem todos encaram a certificação de variedades de cânhamo da mesma forma.

Se França e Itália têm sistemas nacionais de certificação para as suas sementes de cultivo localmente produzidas, além de possuírem listas no catálogo de sementes da UE, nem todos os países apresentam estes programas nacionais de certificação.

De acordo com as regras portuguesas, tendo por base a forma como se encontram atualmente redigidas, são necessárias certificações nacionais e comunitárias para o cultivo de sementes importadas para Portugal. Ou seja, os agricultores portugueses dedicados ao cânhamo estão tecnicamente impedidos de plantar variedades oriundas de estados-membros que não tenham organismos nacionais de certificação, apesar de as sementes desses países se encontrarem certificadas pela UE. Os produtores de cânhamo discordam também de um regulamento que exigiria aos agricultores o pagamento de todos os custos relacionados com análises laboratoriais para controlo do THC.

Partes das plantas por definir

Os stakeholders afirmam também que as regras não conseguem definir devidamente as partes da planta de cânhamo. Embora o léxico regulamentar mencione especificamente sementes e caules de cânhamo, não diz explicitamente biomassa e flores da planta. “Isto abre uma grande margem de interpretação”, disse Humberto Nogueira, vice-presidente da ACCIP, a Associação de Comerciantes do Cânhamo Industrial de Portugal. “Não reconhece especificamente que a planta inteira pode ser vendida”.

Os requisitos para a identificação de campos agrícolas também vão contra a orientação da DGAV, que tem sob sua alçada o programa português para o cânhamo. Embora a DGAV exija apenas uma morada e localização geográfica para os campos de cânhamo, a nova lei significa que os agricultores devem acompanhar e transmitir informações sobre o desenvolvimento das plantas, indicar as quantidades a semear e a colher por cada variedade, identificar os compradores da sua cultura, e transmitir os locais de armazenamento – todos estes requisitos advêm do processo de licenciamento médico do cânhamo. 

Para os agricultores, as regras problemáticas acarretam “exigências para o cultivo de canábis para fins industriais que não têm réplica no resto da Europa e que diminuem por completo a atratividade desta cultura”, disse Costa.

LER: A lei portuguesa sobre a canábis para fins medicinais e industriais