Grupo irlandês de cânhamo abandona reunião governamental “ridícula”

O principal grupo irlandês de stakeholders de cânhamo retirou-se das reuniões governamentais sobre cânhamo industrial, descrevendo-as duramente como míopes e desincentivadoras para os agricultores irlandeses, ao ignorarem todo o potencial da planta.

“Qualquer pessoa com verdadeiro conhecimento ou entendimento científico sobre esta indústria agrícola, tendo em conta o ponto de vista económico mundial e o contexto ambiental único desta cultura, não pode estar presente nesta reunião”, escreveu o diretor executivo da Hemp Federation Ireland (HFI) Chris Allen, numa carta a Brendan Gleeson, secretário-geral do Departamento de Agricultura, Alimentação e Mar (DAFM).

A carta anunciou formalmente o abandono da HFI das conversações em curso, referindo um “contexto (que) limita os agricultores e operadores irlandeses a discutir apenas o talo da cultura do cânhamo”.

Batalha em curso

Há vários anos que os stakeholders do cânhamo irlandês lutam com o governo sobre a utilização de plantas inteiras. O estatuto do cânhamo na Irlanda é particularmente crítico para os produtores de CBD, cujos produtos provêm das flores da planta. O CBD foi essencialmente declarado legal como resultado de uma decisão do Tribunal de Justiça Europeu (TJE) no ano passado. O acórdão acabou por forçar a Comissão Europeia a declarar, no final de 2020, que o CBD não é um narcótico e pode ser considerado um alimento.

O acórdão do TJE postulou que os estados-membros não podem utilizar as suas leis nacionais sobre estupefacientes para restringir o livre comércio de cânhamo agrícola e produtos derivados do cânhamo em todo o Mercado Único. O tribunal confirmou também os direitos legais dos agricultores e operadores de cânhamo da UE, que podem utilizar todas as partes da planta de cânhamo para produtos finais.

“Perante estes esclarecimentos, as autoridades da UE apoiam o desenvolvimento totalmente integrado do cânhamo agrícola europeu, baseado no facto de os agricultores europeus continuarem a beneficiar financeiramente de todas as frações da cultura da UE”, diz a HFI na carta.

Bloqueio aos meios de subsistência dos agricultores

Contudo, o governo irlandês está a bloquear esses benefícios financeiros aos agricultores do país, afirma a HFI.

“Enquanto o resto da Europa discute esta cultura única e o seu complexo potencial ambiental em relação à PAC (Política Agrícola Comum), à “Prado ao Prato” (estratégia) e aos objetivos da política climática da União, os agricultores irlandeses falam sobre o talo; é simplesmente ridículo”, disse Allen num comunicado de imprensa, após a divulgação da carta endereçada a Gleeson.

A HFI afirmou que, nos mais variados países europeus, os stakeholders participam em reuniões com funcionários da UE sobre os potenciais benefícios financeiros para os agricultores de todas as partes da planta de cânhamo. Mas os agricultores e operadores irlandeses estão impedidos de participar nessas discussões pelos ministros e agências do governo irlandês, que não compreendem as complexidades da indústria do cânhamo.

Investimentos em risco

“Não há qualquer base jurídica para as exclusões da DAFM e não há qualquer base legal para as exclusões serem impostas pelo Departamento Empresarial aos nossos agricultores e operadores”, disse Allen.

A HFI adiantou que as estatísticas da UE e os dados da produção agrícola irlandesa mostram que os agricultores irlandeses estão a perder até €2,550 euros por acre com base nos valores do cânhamo de 2020, consequência das atuais políticas que limitam a produção ao talo de cânhamo.

Também segundo a HFI, as empresas na Irlanda investiram em aplicações de segurança alimentar para limpar os seus produtos, seguindo as regras da EU para os novos alimentos. Contudo, a Autoridade de Segurança Alimentar da Irlanda (FSAI) emitiu uma decisão para que esses produtos fossem retirados do mercado irlandês, de acordo com a sua interpretação jurídica sobre novos alimentos.

Para chegar a essa decisão, “o Departamento de Saúde, Finanças, a Gardai, o Laboratório de Analistas Públicos, a Ciência Forense Irlandesa, a FSAI, a HPRA (Autoridade Reguladora para os Produtos de Saída), e o Controlo Alfandegário, optaram por uma abordagem totalmente coordenada para inviabilizar os nossos investimentos”, disse a HFI na carta a Gleeson.

‘Sanitizar, normalizar’

“Estas reuniões procuram agora racionalizar, higienizar e normalizar uma infraestrutura governativa de desmantelamento, que foi estabelecida sem respeito pelo direito irlandês, pelo direito europeu e pelos direitos democráticos e constitucionais dos agricultores e operadores de cânhamo irlandeses”, acusou a HFI.

A HFI apelou à intervenção da legislatura irlandesa.

“Aqueles que lerem a nossa carta não poderão ter dúvidas de que a regulamentação irlandesa para a indústria do cânhamo deve ser abordada pelos legisladores e resolvida imediatamente”, disse Allen. “A regulamentação ilegal desta cultura e o desmantelamento desta indústria por meios ilegais deve ser abordada no Dáil”.