História: Como uma noção traidora bloqueou o aliado natural mais valioso da humanidade

Por Paul J. von Hartmann

“O THC é perigoso.”

Através desta simples e traiçoeira noção, iniciou-se há mais de oito décadas a chamada “guerra contra as drogas” em relação ao cânhamo industrial nos Estados Unidos e em grande parte do mundo. Nos EUA, a “Lei Fiscal da Marijuana de 1937” federalizou uma guerra que continua a ser conduzida de forma errada contra o aliado natural mais valioso da humanidade.

Até aos dias de hoje, todos os tipos de canábis e as pessoas que reconhecem os valores essenciais do cânhamo continuam debaixo de fogo devido a estatutos obsoletos, tratados misantrópicos e regulamentos caducos, fruto de uma campanha bem-sucedida que recorreu à Grande Mentira.

‘Boomerang’

Com o passar do tempo, a inércia provocada por um erro político traduz-se em inúmeros sintomas, marcados por conflitos armados e ilógicos. Na atual “guerra da informação”, a Grande Mentira de 1937 foi mais um “boomerang” do que uma “bomba”.

No início foi eficaz para eliminar a significativa e estratégica indústria de cânhamo da América. Antes da Segunda Guerra Mundial, esta campanha desmentiu o valor fundamental do cânhamo, o qual se tinha tornado do conhecimento geral. Mas a Grande Mentira foi agora finalmente exposta. A verdade tornou-se fatal para a credibilidade dos dinossauros da guerra contra as drogas, levando-os à extinção política. 

Em desespero, alguns continuam ainda a debater-se, utilizando a velha e cansada mentira ao serviço dos seus tóxicos mestres industriais. Porém, as pessoas hoje já estão mais bem informadas.

Pressionadas pela necessidade e a progressiva disseminação do conhecimento e investigação sobre a canábis, a proibição total deu em grande medida lugar a uma regulamentação excessiva como meio de controlar uma indústria com um potencial situado em vários triliões de dólares. Apesar de a indústria da canábis ter alcançado uma ampla aceitação política e pública, as pessoas continuam a ser presas e a definhar na cadeia por violações relacionadas com a canábis. As comunidades de cor são alvos desproporcionados, criminalizando e desestabilizando subculturas inteiras.

A fraude do Schedule One

Na verdade, é a própria Justiça que está a ser violada, aos olhos do mundo, sem que sejam assumidas responsabilidades. Não há justificação para perpetuar a fraude institucional do “Schedule One” contra a canábis. Não há razão para impor limites de THC ao cânhamo industrial.

O THC não é perigoso. É parte da fisiologia humana funcional. O que é perigoso é o colapso dos ecossistemas, assim como os “eventos de extinção não lineares”.

O valor estratégico do cânhamo foi federalmente reconhecido pelo Presidente Roosevelt em 1942. Noutras seis ordens executivas posteriores, o cânhamo foi identificado como fundamental para a segurança nacional. A descoberta do sistema canabinoide endógeno por Raphael Mechoulam nos anos 80 abalou ainda mais a credibilidade da classificação incorreta atribuída ao cânhamo.

As atuais desvantagens económicas impostas à indústria do cânhamo apresentam-se sob a forma de taxas e impostos para apoiar a regulamentação federal, estadual e local. Justificada por receios tendenciosos em relação aos “perigos” do THC, a produtividade é impedida e minimizada, enquanto a ineficiência burocrática é maximizada para inflacionar as receitas institucionais.

Uma infeção grave

Como a competição liberal na produção de energia limpa não existe, os recursos tóxicos e as tecnologias ineficientes têm persistido qual infeção grave.

Num planeta moribundo, a má liderança deixou de ser meramente contraproducente para se tornar numa ameaça de extinção. Ao usar a mentira mais mortífera para fundamentar e manter o controlo institucional da agricultura, fabrico e comércio de cânhamo, a vantagem no mercado é transmitida às indústrias competitivas que ameaçam os sistemas naturais integrados. 

Pela primeira vez na história documentada, o futuro da vida na Terra tornou-se improvável. Temos sido avisados. “Eventos de extinção não lineares” e “falhas sistémicas em cascata” são o futuro da humanidade caso não acabemos com a mentira que está a destruir este planeta.

As responsabilidades morais da humanidade para com as gerações futuras têm sido submetidas a “externalidades não quantificáveis”. A responsabilização transformou-se num conceito extravagante, praticamente desaparecido da equação político-empresarial. 

A evolução da noção de valor da humanidade favorece sistematicamente o desrespeito pela natureza, prejudicando a integridade funcional das relações sistémicas e interligadas que não compreendemos por completo. 

Guerra à Natureza

Nas oito décadas e meia de guerra contra a Natureza, uma das maiores mentiras alguma vez contadas foi responsável por mais mortes, sofrimento, doença e pobreza do que todas as outras guerras juntas. Pessoas e animais são vítimas de uma campanha de desnutrição, escassez de alimentos, e remédios biogénicos para muitos problemas ambientais.

Enquanto a “guerra das drogas” continua a grassar contra a “marijuana”, a maior parte das mortes e destruição atribuível à proibição da canábis é o resultado de limites de THC impostos ao cânhamo industrial não psicoativo. A canábis é a única cultura capaz de gerar uma nutrição completa e energia limpa a partir da mesma colheita orgânica. A escassez de um recurso essencial único é mortal sob vários pontos de vista.

O mais evidente é a fome e a doença em massa que resulta da imposição de uma escassez de um alimento essencial. Menos evidentes são os efeitos dos recursos tóxicos que colmatam as lacunas nas matérias-primas industriais disponíveis, resultantes da proibição do cânhamo.

Num mercado verdadeiramente livre, que incluísse a canábis, o cânhamo orgânico ultrapassaria os combustíveis fósseis, a energia nuclear, a exploração florestal, a agricultura química, a indústria farmacêutica e outras indústrias tóxicas que são atualmente a base da economia global. Quando as origens da proibição da canábis forem totalmente expostas, as pessoas mais afetadas pelo embuste estarão em posição de solucionar a injustiça que foi perpetrada contra elas. 

As consequências

Falamos dos militares de todos os países e das suas famílias. Vidas perdidas, comunidades destroçadas e futuros mutilados pelas guerras em prol do petróleo que têm prejudicado gerações inteiras. É especialmente penosa a perspetiva histórica que sugere que a proibição da canábis foi o objetivo bem-sucedido de um agente nazi, que permaneceu incólume pela espionagem que continua a ferir o mundo até hoje.

O recurso agrícola mais útil, nutritivo e estrategicamente significativo do mundo foi banido das quintas americanas por influência de simpatizantes nazis e racistas, membros do governo e indústria americanos, dois anos antes de Hitler invadir a Polónia. 

Em 1937, Harry Anslinger foi o primeiro “czar da droga” dos Estados Unidos e supostamente um agente nazi. Com a ajuda dos seus colegas racistas, incluindo o editor de jornais William Randolph Hearst e o industrial abastado Andrew Mellon (sogro de Anslinger), lançou-se o medo e a antipatia contra a canábis, usando o racismo e a fraude para banir um “recurso estratégico” militarmente crucial.