Investigadores europeus sondam celulose de cânhamo para uso em geles de alta tecnologia

Capturas microscopicas eletrónicas de um grânulo de aerogel de celulose extraída do cânhamo. (Centro Aeroespacial Alemão)

Investigadores alemães e franceses estão a estudar novas formas de extrair celulose de resíduos de fibras de cânhamo para fazer aerogeles, materiais de alta tecnologia que têm uma ampla gama de usos industriais.

Embora os aerogeles tenham sido historicamente feitos de matéria inorgânica altamente poluente, como sílica ou alumina, a pesquisa visa avançar o seu desenvolvimento a partir de polímeros orgânicos e carbono mais ecológicos.

“Isto abre as portas para o uso de resíduos de fibras de cânhamo como principal fonte de celulose para estes materiais, que podem ser extraídos em condições amenas, usando reagentes baratos e seguros”, disse Diogo Costa, bolseiro do Doutoramento Industrial Europeu do programa Marie Skłodowska-Curie que está a pesquisar o material como parte do seu estudo mais amplo sobre economias de base biológica e circulares.

A investigação de Costa é financiada por uma bolsa do Biobased Value Circle (BVC), um consórcio de quatro universidades europeias, um instituto de pesquisa e nove empresas europeias.

O que são aerogeles?

Inventados pela primeira vez na década de 1930, os aerogeles, nos quais o conteúdo líquido é substituído por ar, têm recebido crescente atenção nos últimos 20 anos pela sua aplicação como supercapacitor, ultracapacitor, bateria e eletrodos de dessalinização; como material de isolamento de alta temperatura; e como catalisador para nanotubos de carbono e outros materiais. Sólido, mas poroso, o material oferece a principal vantagem de baixa condutividade térmica – transferência de calor.

A NASA usa aerogeles para isolamento em veículos de lançamento e veículos espaciais, equipamentos de suporte à vida, bancadas de teste de motores de foguete e isolamento de mãos e pés para astronautas. As aplicações comerciais incluem isolamento de tubos, construção, eletrodomésticos e equipamentos de refrigeração e automóveis, bem como aplicações de consumo, como vestuário.

(L-R) Grânulo, folha e monólito de aerogel de celulose. (Centro Aeroespacial Alemão)

Até agora a investigação mostrou que os aerogeles produzidos a partir da celulose extraída do cânhamo na forma de grânulos, folhas e monólitos cilíndricos são tão eficientes quanto os obtidos a partir da celulose industrial comercial, segundo Costa.

Oportunidades de crescimento

A celulose, que compreende 65%-75% da composição bioquímica das fibras de cânhamo, é particularmente interessante devido à sua abundância, biocompatibilidade e porque pode ser obtida a partir de recursos residuais, disse Diogo Costa.

“Este novo conjunto de materiais abrirá novas oportunidades de crescimento para empresas baseadas no cânhamo e pode criar novos e melhores empregos nas comunidades rurais, oferecendo ao mesmo tempo os conhecidos benefícios ambientais do cânhamo”, disse o investigador. “Os aerogeles tornar-se-ão um mercado cada vez maior e mais interessante do qual a indústria do cânhamo pode participar, desde produtores que desejam lucrar com seus resíduos, até novos setores, novas empresas e investidores.”

De acordo com o Future Market Insights, o mercado de aerogel é de aproximadamente 1 bilhão de dólares e deve crescer 17% ao ano até 2030.

Parceiros da investigação

A investigação de Costa, que abrange o desenvolvimento de produtos e considerações sobre a cadeia de suprimentos, está em cooperação com o Centro Aeroespacial Alemão (DLR), com sede na Colónia, e está a desenvolver os materiais para substituir os atuais isolantes térmicos à base de óleo, e a startup KEEY Aerogel, Habsheim, França, ambos são membros do consórcio BVC.

Além de explorar o potencial de fibras de cânhamo de baixa qualidade que sobraram do processamento de talos como base para a nova classe de aerogeles de base biológica não poluentes, Costa também está a estudar a forma de aumentar a produção e comercializar estes produtos, que de acordo com o investigador são os principais desafios.

Investigador Diogo Costa

“Os métodos atuais para desenvolver aerogeles à base de celulose de cânhamo ainda são demorados”, disse Costa. “O redimensionamento destes devem ser otimizados e muitos outros fatores devem ser tidos em consideração, como a resistência à humidade, atividade microbiana e combustão, entre outros”, disse o investigador.

A redução das cadeias logísticas e a redução da dependência de matérias-primas importadas do exterior são os principais desafios abordados nas políticas mais amplas da UE destinadas a promover modelos económicos de base biológica e circulares, o contexto mais amplo da investigação de Diogo Costa.

Encaixe com o ‘Green Deal’

Com a UE a designar o cânhamo como uma “cultura essencial” sob a Política Agrícola Comum (PAC) da União e considerando as ambiciosas metas ambientais apresentadas no Pacto Verde Europeu, o projeto de Diogo Costa encaixa-se perfeitamente na estratégia da União para desenvolver estes modelos económicos alternativos.

“A valorização de culturas como o cânhamo, linho, milho e trigo, e respetivos resíduos, são uma das principais alternativas em investigação na UE”, disse o investigador.

Ao abrigo do Pacto Ecológico Europeu e da Estratégia Europeia de Bioeconomia, espera-se que a UE atualize a legislação e os rótulos dedicados a produtos de base biológica e lance uma plataforma de investimento temático circular de 100 milhões de euros, entre outras atividades destinadas a mobilizar as partes interessadas que representam o meio académico, a indústria e sociedade, observou o investigador.

Além disto, a UE investiu 3,7 bilhões de euros em pesquisa e projetos inovadores de bioeconomia nos últimos sete anos, e este investimento deverá aumentar para 10 bilhões de euros até 2030 no âmbito do programa Horizonte Europa, um importante programa de financiamento de pesquisa e inovação que aborda os desafios climáticos.

Composição do consórcio

As empresas que participam do consórcio Biobased Value Circle estão a receber bolseiros de doutoramento para estágios de longa duração como parte de um programa para capacitar uma nova geração de investigadores de forma apoiar o desenvolvimento de produtos inovadores de base biológica que podem levar a economias mais sustentáveis.

Além da KEEY, as empresas são B4Plastics, Bélgica; BioEvol Srl, Itália; ChemStream BVBA, Bélgica; Fibrothelium, Alemanha; IFG Asota GmbH, Áustria; Umlaut Transformation GmbH, Alemanha; Spintex Engineering Ltd., Reino Unido; e Technical Proteins Nanobiotechnology S.L., Espanha.

As universidades participantes são o Aachen-Maastricht Institute for Bio-based Materials da Universidade de Maastricht; Universidade Karl Franzens Graz, Áustria; Universidade Nacional da Irlanda Galway; Instituto BioTex da Universidade de Aachen, Alemanha.