Os stakeholders portugueses enfrentam um problema antigo: a ignorância

Mais de 40 stakeholders portugueses do cânhamo assinaram uma carta aberta ao governo, onde pedem o recomeço do licenciamento do cânhamo, após as licenças terem sido suspensas no início de 2019.

O recuo nesta indústria aconteceu após o Ministério da Agricultura de Portugal ter emitido um esclarecimento em janeiro, onde todas as autorizações relacionadas com o cânhamo passaram a estar sob o escrutínio do INFARMED, a entidade reguladora portuguesa para a saúde, que tem sob a sua alçada produtos farmacêuticos e substâncias controladas. Estas alterações fazem com que os produtos portugueses fiquem sujeitos a um regime de licenciamento tão rigoroso como o do licenciamento médico para o cânhamo em Portugal.

Licenciamento parado

Devido às alterações, as licenças de cultivo de cânhamo anteriormente emitidas pela Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) do governo não se encontram disponíveis. Nos últimos dois anos, os agricultores obtiveram as licenças ao apresentarem à DGAV a identificação das suas parcelas de terreno e as datas estimadas para o semeio e colheita.

“Quando comecei, não precisávamos de lidar com o INFARMED para cultivar cânhamo. Era necessário apenas comprar sementes certificadas com THC inferior a 0.2% e obter o licenciamento da DGAV”, afirmou o agricultor de cânhamo Miguel Negrão, fundador da Cannacasa, uma associação da indústria do cânhamo.

A carta enviada ao governo apela especificamente à emissão imediata de licenças para a época de cultivo de 2019, tendo por base as regras de licenciamento do ano passado – ou “pelo menos a emissão de licenças provisórias para 2019, o que permitiria aos agricultores planearem a época e protegerem os seus interesses e os dos seus clientes”.

Nova lei sobre a canábis medicinal

No verão passado, o governo português aprovou uma nova lei sobre a canábis medicinal, definindo regras para toda a cadeia de valor do setor; os regulamentos abordam o cultivo, a produção, a extração e o fabrico comercial, além do comércio grossista, a distribuição para as farmácias, a importação e a exportação, o trânsito e as vendas.

Os agricultores de cânhamo viram a nova lei com bons olhos – embora não diretamente relacionada com o cânhamo –, pois parecia antever uma situação legal clara para todas as operações relacionadas com a canábis. Mas a DGAV deixou de emitir licenças de cânhamo após a aprovação da lei sobre a canábis medicinal. A Cannabis sativa L. foi considerada uma substância controlada e, portanto, sob a jurisdição do INFARMED.

Sem barreiras?

Entretanto, um esclarecimento emitido a 30 de janeiro de 2019 pelo gabinete do Ministério da Agricultura, que havia sido solicitado pelos deputados de esquerda Moisés Ferreira e Carlos Matias, dando voz aos agricultores de cânhamo, indicou que “não existem barreiras para a produção industrial de cânhamo em Portugal”.

Mas os agricultores têm vivido exatamente o contrário: o que parecia uma luz ao fundo do túnel transformou-se apenas em incertezas sobre como iniciar a época de cultivo de 2019, tamanha é a confusão regulamentar.

A luta por níveis mais elevados de THC

Pedindo ao governo “que apoie a indústria do cânhamo, através da liberalização das utilizações industriais da planta, sem quaisquer restrições”, os signatários da carta requereram também que o nível permitido de THC no cânhamo fosse aumentado para “0.3%, tal como acontece no Canadá, ou mesmo 0.6% … para que os agricultores portugueses se mantenham competitivos no mercado global em desenvolvimento”.

Os níveis de THC permitidos no cânhamo industrial estão em ascensão em todo o mundo, sendo um importante e estratégico campo de batalha nos estados-nação que pretendem lucrar com o boom global do cânhamo impulsionado pela CBD. Apesar de as regras europeias não serem totalmente claras, as nações da Europa obedecem por norma a 0.2% de THC.

Parcas respostas

Até agora, a carta enviada pelos interessados portugueses tem tido pouca resposta governamental.

“Nenhuma das agências governamentais parece ter interesse algum em trabalhar com a comunidade do cânhamo”, afirmou Jürgen Simon, Presidente da LusiCanna, uma cooperativa de produtores de cânhamo.

Acrescenta que os interessados aguardam ainda pelas respostas às perguntas enviadas às instituições agrícolas regionais, que estão obrigadas a responder.

“A única agência que respondeu até agora foi a DGAV, mas não nos disseram quem é responsável pela elaboração da legislação em falta” que clarificaria a situação do cânhamo, afirmou Simon, sugerindo que todos os interessados tenham voz ativa na regulamentação racional do cânhamo em Portugal.

“Convoquei várias vezes uma reunião conjunta com o INFARMED e a DGAV e não obtive qualquer resposta”, afirmou Simon.

“Precisamos de ter todas as partes reunidas para discutir este assunto – os agricultores, os produtores, os processadores, os operadores grossistas”, disse Humberto Nogueira, consultor e agricultor de cânhamo.

“Estão a confundir a canábis medicinal com o cânhamo e precisamos de entrar nesta discussão para esclarecer e ajudar a desbloquear a indústria”, disse Nogueira. Os regulamentos do cânhamo, acrescentou, “não devem ser estabelecidos pela mesma indústria que regula a canábis medicinal”.

Reportagem: João Costa