A decisão do Tribunal Europeu é apenas o primeiro passo para clarificar a situação legal do CDB

A decisão ontem proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJE) de que o CDB não pode ser considerada narcótico, e que os produtos com CDB podem ser vendidos livremente entre os Estados-Membros da UE, indica que as leis e regras que regem este composto valioso na Europa podem finalmente ser afinadas.

Este decisivo passo no horizonte é uma decisão da Comissão Europeia, cuja posição sobre o CDB até ao momento choca com a decisão do TJE. A Comissão emitiu em agosto uma “decisão preliminar” de que o CBD não medicinal e outros extratos naturais de cânhamo feitos à base de flores de cânhamo – comummente presentes em alimentos, suplementos alimentares e cosméticos de cânhamo – devem ser considerados narcóticos na UE.

‘O impacto é vinculativo’

Contudo, a decisão do Supremo Tribunal Europeu de que o CBD não é um narcótico é vinculativa para as instituições da UE, incluindo a Comissão Europeia, de acordo com a advogada Eveline Van Keymeulen da Allen & Overy. A firma sediada em Paris prestou apoio jurídico a um dos arguidos que recorreu das acusações francesas relacionadas com a venda de produtos de vaping com CBD.

As partes interessadas na indústria do cânhamo afirmam que, caso a “decisão preliminar” da CE se tornasse permanente em toda a UE, os setores que utilizam CDB, o principal extrato de cânhamo, mergulhariam no caos. A decisão do TJCE na quinta-feira dará certamente à Comissão uma pausa antes de emitir uma posição final sobre o CDB, a qual é aguardada para antes do final do ano.

“O impacto desta decisão ultrapassa a França. A decisão do Tribunal estabelece um precedente vinculativo com abrangência europeia”, afirmou Van Keymeulen. “Por isso, o acórdão deve abrir portas para uma maior harmonização regulamentar e segurança jurídica, elementos cruciais para o futuro desenvolvimento da indústria do CDB na Europa”.

‘O início do fim’

Embora os pormenores da decisão do TJE devam ser avaliados detalhadamente, Kai-Friedrich Niermann, um advogado alemão que presta aconselhamento à EIHA, afirma: “Já não é concebível que a Comissão da UE adira ao seu parecer preliminar de Julho de 2020, segundo o qual os extratos de cânhamo devem ser classificados como narcóticos”.

“Esta decisão é o princípio do fim da estigmatização arbitrária do CDB”, afirmou Daniel Kruse, Presidente da Associação Europeia do Cânhamo Industrial (EIHA). “Futuramente, os tribunais europeus e nacionais, políticos e autoridades, terão de se guiar pelo raciocínio do tribunal”.

“Esperamos sinceramente que a posição do Tribunal seja um exemplo e que a Comissão Europeia reveja a sua conclusão preliminar sobre o estatuto do CDB natural”, adiantou Lorenza Romanese, Diretora-Geral da EIHA.

O Estatuto de Novo Alimento É a Barreira Seguinte

Se o acórdão do TJCE servir de farol orientador para o futuro do CDB na Europa, e se forem estabelecidas regras claras, isto desencadeará certamente mais investimento, investigação, empreendedorismo e um crescente mercado de consumo nos próximos anos, disse Kruse, indicando que poderão ser necessários pelo menos três anos para ultrapassar o derradeiro obstáculo antes de um mercado totalmente aberto: o estatuto do cânhamo enquanto novo alimento.

As regras europeias de segurança alimentar, segundo o regime de Novos Alimentos da EU, exigem que os produtores de extrato de cânhamo aplicados em alimentos – incluindo CBD – sejam submetidos a rigorosos e dispendiosos processos de registo; as regras são o princípio orientador do Catálogo de Novos Alimentos da UE, uma lista de alimentos que não eram normalmente consumidos nos estados-membros da UE antes de 1997. O Catálogo tem como objetivo estabelecer a segurança alimentar através do controlo de produtos alimentares novos, geneticamente ou sinteticamente criados antes da entrada no mercado.

A EIHA criou um Consórcio para os Novos Alimentos, cuja estratégia pretende consolidar vários ingredientes derivados de CBD numa única candidatura aos Novos Alimentos, abrangendo vários alimentos de cânhamo e produtos de extração. A Associação criou este consórcio com o objetivo de reduzir para os seus membros o custo dos procedimentos de candidatura ao estatuto de Novo Alimento. Como parte da iniciativa da EIHA, estão previstos testes toxicológicos de cariz científico para CBD e THC; e outros estudos para finalmente clarificar a segurança destes produtos de cânhamo.

“Se a indústria do cânhamo mantiver uma atitude proativa e apresentar avaliações e standards de segurança através da Candidatura a Novo Alimento da EIHA, os produtos serão legalmente comercializáveis em toda a Europa”, disse Kruse. “O valor de cada euro investido no consórcio aumentará exponencialmente”.

A curto prazo, a decisão de ontem do TJE deverá reiniciar o processo de candidatura, suspenso enquanto a CE reavalia a sua posição sobre o CDB. “A Comissão não poderá adiar mais as candidaturas dos novos alimentos”, disse Niermann.

A justificação do tribunal

O Tribunal de Justiça Europeu postulou que o CDB não é um narcótico, tendo por base a Convenção Única sobre Narcóticos de 1961 e a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971, além dos tratados internacionais que ainda hoje regem o controlo global dos estupefacientes, e as leis nacionais sobre Estupefacientes. O Tribunal afirmou que “o CBD… não é referido na primeira e, apesar de ser verdade que uma interpretação literal da segunda poderia levar à sua classificação como estupefaciente, tratando-se de um extrato de canábis, esta interpretação seria contrária ao espírito geral dessa convenção e ao seu objetivo de proteger ‘a saúde e o bem-estar da humanidade’, disse o Tribunal.

Em relação à venda de produtos de CDB na UE, o tribunal afirmou na sua segunda importante deliberação: “A decisão de proibir a comercialização do CDB, o obstáculo mais restritivo ao comércio de produtos legalmente fabricados e comercializados noutros Estados-Membros, apenas pode ser adotada se esse risco parecer suficientemente evidente”. Os juízes decidiram que, caso a França, onde o processo original submetido ao TJCE teve início, mantiver a proibição da CDB, deve apresentar provas científicas de quaisquer perigos encontrados no composto.

E as vendas atuais?

Enquanto as leis e regulamentos sobre a CDB ainda aguardam pela sua finalização na Europa, as empresas que vendem atualmente estes produtos continuam numa área legal intermédia, pois a aplicação da lei nacional e local pode acarretar problemas. As rusgas e os encerramentos atingiram lojas de cânhamo que vendem CDB, além de empresas de CDB e operadores auxiliares, bem como extratores. Isto é geralmente resultado de diferentes atitudes em relação ao CDB por parte dos agentes jurídicos e das autoridades de saúde nacionais e locais. Muitos sofreram já perdas significativas como resultado de mal-entendidos, leis nacionais diferentes e falhas de comunicação.

Mas o mercado de CDB encontra-se já estabelecido, com os produtos a estarem disponíveis na maioria dos países da UE. Contudo, alguns produtos de CDB são ocasionalmente sinalizados por terem rotulagens incorretas, níveis de THC acima dos limites e contaminação durante os controlos laboratoriais. As partes interessadas na indústria do CDB afirmam que estas deficiências poderiam ser evitadas num contexto jurídico claro na UE.

O acórdão do TJE de ontem é também uma notícia positiva para quem fabrica produtos de saúde e beleza que contêm CDB nas suas fórmulas, pois também sofreriam caso o CDB fosse considerado narcótico. Sem essa classificação, os produtos precisam apenas de cumprir os requisitos de segurança e de mercado de outros produtos semelhantes.